domingo, 17 de dezembro de 2017
Lisboa Migradora
digo-te minha irmã…
que…
Lisboa começa a despertar
antes mesmo que eu consiga adormecer
basta-lhe para isso
uma nesga de sol - mistura de azul e de vermelho -
marcando a fronteira entre
a baixa da cidade e o alto do céu.
as estrelas perdem o brilho
como se adormecessem ao som do primeiro pilritar
dos pássaros - que espalhados por varandas e jardins -
são os primeiros a tagarelar
conversas entre vizinhos,
que sempre têm algo de novo para contar,
mesmo que seja o mesmo de sempre
entre duas batidas de asas
- que se preparam para o voo
ou que sonham com ele -
a conversa fica em dia.
e mais uma estrela desapareceu
perdendo-se no céu,
pois um céu assim confunde até as estrelas
quanto mais a mim, minha irmã…
à medida que o céu se acende ao sol,
ouvem-se
carros ainda estremunhados,
buzinas ainda tímidas,
cães que imitam bem a valentia e
o som de um comboio - que risca o Tejo -
ainda não silenciado pela pulsação
de uma cidade a correr para o trabalho,
e claro…
o burburinho dos vizinhos
que ainda podem trocar duas asas de conversa.
as luzes vão se apagando
- aqui e ali, e também aí…-
como velas sopradas por uma porta
que se abre.
e entretanto surge o momento que te espera
aqui na nossa cidade
longos segundos
em que eu - e outros companheiros de aventuras -
nos encontramos a quatro
porque neste momento,
neste ponto do dia,
posso traçar uma imagem
unindo pontos entre mim, a lua , o sol e as estrelas
e essa miragem marca-me a retina
eu sinto que pertencemos a algo
que tem sentido,
por mais pequena que eu seja
como ponto.
um cacilheiro atreve-se
a acordar o rio suavemente
mas na meia luz
este velho pesado
aparenta-se
a duas metades da mesma laranja
cruzando o rio
em compasso de espera…
mas nem tudo o que aparece é!
e entretanto o cacilheiro desapareceu…
por de trás
de um edifício que se julga mais alto do que muitos.
terei de esperar (im)paciente
- e com adivinhança -
que ele irrompa
uma vez mais
como uma cabeça
desperta entre telhados.
lembro-me do nosso jogo
em que tentávamos adivinhar
de que lado da margem iria aparecer
o mergulhão.
agora já eu consigo juntar-me
ao sono das estrelas
o voo de um andorinhão
desperta-me um último olhar
e pouso
o lápis,
como ensaio para este meu repouso
AVC
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