quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Loucura

A loucura é como uma mãe para mim
Que não me traz qualquer conforto
Cria-me uma vontade de sair de mim
O medo dum confronto
Uma inquietação sem sentido
A dúvida com a aproximação de um carro
A atracção pela alienação
Uma sensibilidade de cirurgião
Sinto-me um pé num sapato apertado
Uma perna com uma cãibra
Um vinho azedo
Uma doente sem cura
Um grito mudo
A loucura é minha companheira
Segue-me como uma sombra
Escondendo-se atrás de cada pedra
Faz-me esperas à porta de casa
Procura-me em todos os bares
Traz-me debaixo da sua asa
Acorda-me a meio da noite
Para me chamar cobarde
Há dias em que me dá um açoite
Que me arrasta pelas ruas
A loucura é má conselheira
É um gato que me abre a ferida
Um pingar constante da torneira
Uma sede desmedida
Uma carta sem baralho
Um amor impossível
Uma manta em retalho
Uma dor invisível
Um fantasma diurno
Uma morte lenta
Um velho soturno
Uma campa à minha espera

Sou

Pingo azul em água do mar rosado
Cuco em ninho de águia
Rã laranja em charco encharcado
Estrela brilhante que não guia
Flor vermelha em cemitério de pedra
Fruto doce que nasce no Inverno
Cogumelo em areia que não medra
Peixe miúdo em tanque de tubarão
Aranha presa pela mosca verde
Bola mas não de sabão
Lebre que sempre perde
Folha solta de um livro
Ponto sem nó
Uma velha biblioteca sem livro
Moinho sem mó
Papagaio em dia sem vento
Minhoca em chão de pedra
Maratonista sem alento
Caracol sem pauzinhos
Gato que não é pardo
Caminhante sem caminhos
Girassol sem sol
Quadrado em folha de linhas
Dó em clave de sol
Carrinho sem linhas
Velha sem rugas
Pássaro sem pio
Buraco em peúgas
Cama sem almofada
Laranja sem sumo
História sem fada
Fogo sem fumo
Borboleta verde em muro amarelo
Marinheiro sem barco
Bebé chorão que quer caramelo
Flecha sem arco
Abelha perdida do enxame
Rio que corre para cima
Festa sem salame
Poema que não rima

Insonia

não durmo
desaprendi de sonhar
restam-me a poesia
e uma noite que se faz dia
o meu corpo solitário está frio
a roupa molhada pelo suor
de 1000 estratégias
para saltar nos braços de morfeu
uma ansiedade que me esgota
e me faz cair no mesmo momento
vezes sem conta
momento de negação do medo
medo de nunca mais dormir
não me digam o óbvios
já tomei um comprimido
supostamente milagrosos
já fiz milhentos exercícios
de yoga e de relaxamento
não
sexo não
estou sozinha
um vicio que tenho
pior que escrever às escuras
sozinha salvo seja
o gato jaime ressona
o que me dá uma inveja danada
antes trovejar que não dormir
restam-me a poesia
e uma noite que se faz dia
poesia que tem de viver dentro de mim
desgraçada e condenada,
pobre poesia que raramente é levada..
a passear pelos caminhos fora de mim
com sorte foge para o ecran do meu computador
ou para um pedaço de papel
onde por vezes se perde na minha letra manuscrita
que mais parece com-pé-escrita
com muita sorte é finalmente imprimida em papel
ai começa a liberdade total
passa de mão em mão, é tocada e retocada
admirada e mimada, principalmente por mim
sou a sua maior fã e a sua guarda prisional
porque raio este contraste
que nos atormenta às duas
medo de ser rejeitada por mim e por vós
medo da loucura que ela provoca em mim
como se as duas fossem irmãs siamesas
como se se a soltasse também soltasse
aquela que mais temo nesta vida
a loucura de mime vamos morrendo as duas
neste dilema
nesta guerra constante
que não me deixa dormir
restam-me a poesia
e uma noite que se faz dia
Dentro em pouco já não terei noite
os pássaros no meu jardim
já anunciam a caída do dia
a noite faz-nos companhia
a mim e à poesia
a poesia só me vence à noite
desperta-me e não me larga
enquanto não a liberto
mas estas insónias são incompativeis
com a minha vida diurna
afinal os poetas também têm de trabalhar
eu não quero ser poeta
e viver nesta noite confortável
mas à qual não sobreviveria por muito tempo
quero ser trabalhadora
formiga diurna
o problema é que não sei bem como
nem porquê
a poesia decidiu instalar-se dentro de mim
não estava a contar com isto
estragou-me os planos
e agora não sei bem o que fazer
dirão vós que escreva
que remédio tenho eu!
As irmãs siamesas são o meu maior tesouro
e pretendo conserva-las acima de tudo
mas tenho um medo que me pelo
que tudo isto me mate
mas enfim antes morrer de poesia
do que de trabalho não é?
Vou mudar de ideias quando nascer o sol
isto é já a poesia que me desconvence

Desejos

Espero que te lembres de mim
no final de um dia de ilusões
Espero que te lembres de mim
numa tarde feita de pedras quentes
Espero que te lembres de mim
no meio de um mar de gente
Espero que me procures
quando eu de ti me esqueça
Espero que me procures
em dias de tremenda busca
Espero que me procures
na ultima pagina do livro
Desejo ver-te em dias de fogo
em que o mal é reduzido a nada
Desejo abraçar-te longamente
depois de te zangares com o mundo
Desejo imitar-te os passos
em dias de valentia
Desejo-te em dias calmos
em que só o vento te distraia
Desejo-te em tardes turbulentas
em que só um abraço te acalme
Desejo-te esta noite junto de mim
para compartir os pequenos pedaços do dia

Solidão

Estou só
e de mim não saio
nesta noite sonâmbula
espero por quem não vem
estou só
as mãos geladas
procuram o calor da palavra
estou só
e não tenho lágrimas
que me protejam do nada
procuro-te
nas sombras da noite
no fundo do rio
no fim das minhas mãos
procuro-te
para que me escutes
para que me dispas
e me aqueças
procuro-te
entre gentes
que não me dizem nada
a quem não me entrego
estou só
e a mim me reduzo
neste final de noite
estou só
e as mãos tremem-me
abraçando o nada
estou só
nada tenho
tudo procuro

Tu

Pedem-me que escreva poemas
Eu queria escrevê-los
oferecê-los envoltos em suavidade
como morangos em caixas muito arrumadinhos
e bem distribuídos
que cada poema meu fosse parte do meu respirar
em dias de paz e sorrisos
mas és tu quem escreve por mim nestes dias
tu que não descansas quando eu durmo
tu que estás atenta quando eu de ti me esqueço
tu que me despertas a meio da noite e me segredas
num murmúrio bem dentro de mim
- desperta-te! liberta-me!
és tu que caminhas arrogante, entre gentes, que não te conhecem
e te disfarças em mim
és tu...que me tomando o pulso
escreves poemas que cortam o papel
que me fazem gritar para dentro de mim
num rugido afónico:
não quero mais poemas teus!
és tu que me olhas no escuro
que me envolves em medo
és tu que me passeis pela trela em dias em que não durmo
que me aqueces o estômago em dias de fome
és tu que vês o que outros escolhem não ver
que gritas para dentro de mim
e o teu grito estilhaça-me
fragmentos de mim espalham-se pelo chão
e eu os recolho um a um
tentando encontrar-me nessa manta de retalhos
que teço em ritmo com linha de dor
mas essa manta já é outra de mim
quanto de mim reconheceram em ti
quanto de mim já se confunde em ti
poderia eu fugir...esconder-me atrás de sombras
luto contigo e por ti
todos os dias
e o nosso sangue mistura-se
e o meu cuspo sai da tua boca
e as minhas lágrimas são a tua saliva
e com a tua boca mastigas a minha razão
e regurgitas-me vezes sem conta
e sempre que saio de dentro de ti
é um esqueleto que se estatela no chão, nas pedras
músculos que todos os dias reaprendem o seu movimento
eu não me quero confundir-me contigo
que as pessoas me vejam e pensem que falam contigo
que te leiam quando me lêem a mim
tu és o meu sangue cuspido por aqueles que me ferem
a minha parte mais sangrenta
a minha raiva engolida
em seco
eu te vomito em nome dos deuses
e a ti regresso como
cão a seu dono
tu és aquela a quem não ouso acordar
a quem embalo
com as mãos a rodearem-me a cabeça
arranco-te de mim todos os dias
e a ti regresso todas as noites
porque tu me reconheces como sangue do teu sangue
semente da tua árvore
fruto do teu ventre
novamente me rebentas por dentro
estilhaços de mim voltam a espalhar-se no quarto
recolho um a um os restos de mim
com um cuidado trémulo
com medo de me cortar
junto , coso esses pedaços
mas já não me reconheço nessa manta de retalhos
partes de mim se perderam pelo chão
pela luz que nos trespassa
mostro a manta a quem me ama
digo
vês esta sou eu agora
gostas?
tu deliras com a pergunta
saltas pulas
rebolaste no chão numa gargalhada que me rompe os tímpanos
contigo consigo escutar o coração de outros
e o meu bate como se fosse o seu último bater o derradeiro
contigo ouço conversas que sem ti eram meros murmúrios
contigo o ruído das ruas torna-se ensurdecedor
contigo passo horas e horas a discutir a minha razão
sempre me ganhas na loucura
há dias que estou tão cansada desta luta
que penso
deixa-te levar
deixa-te ir
e sonho que descanso em ti
que me fundo em ti
que me esqueço de mim
e assim de mim não sentirei falta
os outros que a sentem que se lixem
eu só preciso de ti
tu serás meu alimento
meu respirar
minha outra vida
dizem-me que corro o risco de morrer contigo
mas que sabem eles da morte e de ti
eles não sabem que não há quem me ame tanto como tu
que contigo somos nós
às vezes duvido que eles saibam realmente o que seriamos nós
dizem que me afaste de ti
que te destrua
que te mastigue
que te cuspa para fora de mim
que te arranque de mim
que te ampute
mas que sabem eles de mim sem ti
se só me conhecem contigo
mal sabem eles que te necessito de noite e de dia
que sem ti não veria peixes e flores a rodearem-me
em danças de luz
não sabem que sentiria a tua falta
que te sentiria como um membro amputado
que se te arrancasse de mim...eu morreria também
todos os dias me pergunto se quero morrer de ti ou sem ti
há dias em que te arranco do meu coração
te arrasto pelo chão
te pontapeio
te massacro
te destripo
para logo me arrepender
e te cuidar
te embalar
te curar
te cuidar
como se fosses mãe
como filha de ti
que responder quando me perguntam se te quero deixar ir
a morte é bem mais doce qunado me apertas contra ti
em ti sou mais de mim
contigo sinto mais de mim
sem ti secaria por dentro
sem ti sou uma sombra de mim
que pretendem de mim aqueles que te rejeitam a ti
que sabem eles de mim...sem ti
serei eu os restos de ti?
és tu a minha cauda
o meu pincel
o meu amuleto
a minh bola de cristal
as asas que não se queimam
o fogo que não se apaga
quero tragar-te todos os dias
como uma ostia
rezar contigo dentro de mim
às vezes canso-me de me queimar na tua chama
mas sempre volto a ti
é enrolada em ti que durmo todas estas noites
hesito em escrever porque de mim sais.
das pontas do meus dedos
para o papel
como pingos de sangue
que incomodam o leitor
e entre letras o meu... o teu sangue vai pingando
e quem me lê detecta-te em mim
depois há aqueles que adoram que tu use pregada ao peito
a segurar-me o cabelo
a amparar-me o andar
a esses também os gosto de ouvir
sorrio
finjo que sou tu
que sou tua
e nesse momento acredito que sou tua
irmã siamesa
dizem-me que posso viver sem ti
como se de uma pequena cirurgia se tratasse
não vêem que o meu sangue precisa do teu
que respiro pela tua boca
que leio com os teus olhos
que se te tenho de vez em quando adormecida
é para que descanses
e te despertes com todas as tuas forças em mim
que seria do meu eu sem o teu?
estou cansada de ti
mas estou exausta de mim
tu és o meu último folgo
porque tu és o que sou

À distância de um abraço

para a minha mãe Helena


São estas manhãs que me lembram de ti
A erva húmida a molhar-nos as calças
O cheiro a uma terra tocada por nós
sem se inquietar
A luz que atravessa o pingo da torneira gelada
Volto a dar-te a mão
como quando tinha 4 anos
e o meu olhar se protegia no teu
O ar parece ainda lentamente adormecido
E o vento enrola-me o cabelo na cara
Estendes um gesto
que me afasta os caracóis
de onde se esconde um sorriso
Volto aos momentos
em que a leitura dos teus gestos
era mais simples
Entre a relva procuras
Ervas intrometidas
Enquanto eu conto
Uma das minhas desventuras
À espera do teu sorriso

As folhas secas do plátano
prenunciam o Outono
e o tempo das castanhas
Avisto as rolas
que sempre me queres mostrar
Enquanto elas debicam restos de broa
tu descansas
ausente por momentos
da paisagem que te rodeia
Enquanto encontramos as últimas amoras
a tua presença acompanha-nos
o mesmo cesto que levavas
quando mal caminhávamos
e a mesma mancha na camisa
que vai precisar de sol
as cotovias cumprimentam as pedras
com pequenos saltos
os abelharucos em treinos de voo
tecem o ar
e tu já estendes a toalha
Olho para ti e lembro-me
Do que sempre te quis dizer:
-Mãe ... estás sempre à distância de um abraço…

Curtos

Aliso as asas
para um último voo
estico-as
olho-as
e numa sacudidela
de asa
olho o abismo
mergulho
o coração bate
em corrida
o bico é o primeiro a partir

Assinado: Rapariga ave-rara



Ao cair
sinto cada um dos meus ossos
ossinhos
a partirem-se
um a um
dois a dois
três a três
a minha dualidade
exponenciou-se
numa explosão de
ossinhos

Assinado: Rapariga ossídica


Raios me partam
e partiram-me
racharam-me
queimaram-me
e de
uma tocha
morri eu

Assinado: Rapariga-tocha


10 dedinhos
9 sinalinhos
8 costelinhas
7 ossinhos do pé
6 ossinhos da mão
5 orgãozinhos
4 perninhas e bracinhos
3 coraçõezinhos
2 olhinhos
1 cerebrozinho

Tudo misturadinho
depois de uma queda
gradualmente calculada
do cimo de um morro
- Ai que morro!

Assinado: rapariga Ai coitadinha!


Por cima do chão
a rasar a erva alta
uns sapatos dependurados
em cima dos sapatos
um corpo pendurado
que balança
ao ritmo
de uma valsa lenta
a corda bem crivada
ao pescoço num laço
de gravata de defunto
é mais que um abraço
a corda pendurada
num sobreiro
que já conhece
outras cordas
com outros motes
e outras mortes

Assinado: Rapariga (que podia ser) de Odemira

Fado

O fado entra-me pela pele
a saudade invade-me
como uma estrada
que rasga o chão
o amor é uma gota
de triste lagrima
o inverno existe dentro de mim
sou só o que me deixas ser
perco-me nos meandros dos porquês
as palvras abafam-se
a tinta mancha-me a pele
pequena tatuagem de
perguntas
espero por ti
numa noite
em que só o teu nome
sai dos meus labios
cansados de te esperar
as minhas mãos perdem-se no vazio
na esperança
de um calor que não chega
entre duas palvras me perco
entre duas sombras
me escondo
esperar pelo que nunca chega
dormir com a esperança de não acordar
queria morrer sem sentir
que me deixas
no meio de pedras frias
sou uma ilha
a que poucos chegam
sofro de eterna solidão
de eterno abandono
no mar não encontro descanso
o meu peito aperta-se
ente muros de gelo
raios me fulminam
me reduzem ao medo
as palavras queimam-me
a ponta dos dedos
cola-se ao vidro
da janela que nunca te abro
abandonaste-me
num mar de tormentas
de palvras mudas
de rostos nus
sou tudo o que nunca quis ser
sou tudo o que não me deixam ser
o amanhã doi-me
a tua voz gelou dentro demim
num murmurio nunca ouvido
perdi-me por ti
não matei a sede
o deserto invade-me
o medo arrasta-me
bebo as palvras que nunca me disseste
arrasto-me como cão abandonado
pelas ruas do desconforto
procuro dono
procuro quem dome o meu desamor
desço uma escada sem fim
a procurando o que perdi de mim
que resta demim
depois deste medo me trespassar
afogo-me nas aguas da ignorancia
a casa em que habito
esta em ruinas
e o ceu pesa-me
pesa-me a dor
de já não te sentir
a vida abandonou-me
num dia em que o sol
caiu sobre o mar

Memória

Queria esquecer-me de ti
Quase completamente
Apenas te recordando
Na ponta dos dedos
A tua memória reduzida
Às minhas mãos