segunda-feira, 19 de março de 2018

Desejo




Importas-te que deseje apenas os teus lábios?
Encostados nos meus dedos
A perseguir-me a pele

Pensando melhor...
Importas-te que deseje também as tuas mãos?
Junto aos meus peitos
A cobrir-me a pele

Desejando melhor...
Importas-te que deseje ainda os teus olhos?
Olhando nos meus olhos
A percorrer-me a pele

Sonhando melhor...
Consente que me enrole no teu corpo
Que te beije os lábios
Que te marque a pele

Cor


Acendo um cigarro
E o mundo entra-me pela janela
Estico uma grande tela
Pinto com as cores
Do fundo do mar
Sopro o fumo
Desenho muitas flores
E desejo-te junto de mim
O azul chega ao fim
Um gato lânguido
Passeia-se pelo muro
Um pássaro rápido
Desperta-me o olhar
O vermelho invade tudo
Passeio junto ao mar
Uma menina joga à bola
E oferece-me um sorriso
O verde salpica-me a camisola
O mar acordou zangado
A manhã avança como um cágado
Espreguiço-me e abro-me num bocejo
Penso em ti e sai-me um desejo
O amarelo entornou-se pelo chão
Chego-me junto à janela
E digo o teu nome em vão
Acendo uma pequena vela
Ouço o coaxar das rãs
Dou mais uma pincelada
O mundo sai pela calada
O pincel cai-me das mãos

Viagem


Queria lançar a vela
E viajar pelo teu corpo
Com o vento do sul
Correndo o risco
De perder o norte
Sentir a maresia
Inalar o teu cheiro
Intoxicar-me contigo
Lamber-te o sal da pele
Morder-te a ponta do sorriso

Memória


Queria esquecer-me de ti
Quase completamente
Apenas te recordando
Na ponta dos dedos
A tua memória reduzida
Às minhas mãos

À Noite


À noite
Procuro a lua
Mas ela esconde-se
Timidamente
Entre uma pincelada de nuvens
Espero impacientemente
Que a mãe-lua se mostre
E que a sua luz me invada
Eu filha da prata e do mar
Sozinha entre as minhas irmãs
Pequenas estrelas perdidas da sua constelação
Os gatos fazem-me companhia
Lambem-me as feridas
Aquecem-me os pés gelados
Cubro-me com um manto de estrelas-anãs
A coruja canta num piar triste
Voa em silêncio sobre mim
A erva molhada debaixo da planta dos pés
Um pirilampo desperta-me o olhar
O sonho há muito que não me visita
Mas o conforto da noite
Adoça-me o sentir
O meu coração bate ao ritmo da chuva
Há sete noites que te espero
Mas quem és tu?
Tu que me ouvias
Com pequenos gestos me adormecias
Com um olhar me soltavas o sorriso
Os teus passos já não me acompanham
E no entanto
São a eles que sigo
Seguindo entre silvas
Que me marcam as pernas
A noite engoliu-te
Amor
Aguardo que se lembre de mim
Que me trague de uma vez
Que o musgo me cubra
E eu me confunda com as pedras


Continente


É neste Continente que deixo partes de mim
Pequenos segredos
Histórias com nexo
E sem.
Continente, que põe em dúvida o mar
Que me tira a cobardia
Onde me confundo entre palavras
Continente em que tu és Senhora
De muito
E de uma parte de mim
Com sorrisos te atiro os meus medos
Para que os desmontes como peças de lego
Peças que te peço de volta, sem arestas
Terei eu continente mais livre do que este?
Onde posso dizer tudo o que me vem à cabeça
E fazer quase tudo o que me dá na real gana
Por vezes tenho vontade de conquistar esse Continente
Entrar de rompante e confundir a tua razão
Mas que faria eu com tamanho Continente?
Entre mãos que tremem denunciando a minha fragilidade
Acho que te o devolvia embrulhado em folhas de maré
Com um sorriso no canto da boca,
Como um cigarro que nunca se apaga.
Continente em que me estendo
E os meus braços tudo alcançam
Quase tudo…
A ti não…
Senão…
O Continente desaparecia
E passava a ser uma ilha entre muitas
Nesse Continente posso ver tantas luas como estrelas
E posso passar pela Alice em vez do coelho apressado
Que outros vêem em mim
E de pequeno ilhéu passo a Continente
Durante o tempo que resta
A alegria de te reencontrar acende-se como um rastilho
De foguetes chineses
E eu leio nos teus gestos aquilo que não te atreves a dizer
E nos teus olhos aquilo que não me atrevo a perguntar

Bicho


Sou bicho
Sou animalito
Sou servivente
Sou cobra-bicho
Que come animalito
Sou ser-pente
Penteio flores
Sou aranha-bicho
Faço teia linda
Com muitas cores
Sou arranha-bicho
Sou bicho com unha
Pendurado em árvore
Como fruta de flor
Sou bicho-sapo
Coaxo como chocalho
De vaca passeando
Em manhã de orvalho
Sou peixe-bicho
Sou bicho veloz
Sou pão de lontra
Amigo do coral
Sou bicho oval
Boto ovo azul
Meu pintainho é de linho
Sou bicho-beija-flor
Bebo mel das caricas
E cheiro a mangerico
Sou bicho-mião
Como semente de melão
Cuspo em bicho papão